
Lenocínio: o que é, o que significa e por que é crime
O termo lenocínio pode parecer distante da realidade quotidiana, mas está intimamente ligado a debates sobre liberdade sexual, exploração e direitos humanos.
Neste artigo, vamos esclarecer o significado de lenocínio, abordar o enquadramento legal e as implicações sociais envolvidas.
O que é lenocínio?
A palavra lenocínio tem origem no latim lenocinium, que remete para o ato de intermediar ou facilitar relações sexuais mediante pagamento.
Lenocínio: significado jurídico
No contexto jurídico português, o significado de lenocínio é definido da seguinte forma:
"O crime de lenocínio envolve a conduta de, profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por outra pessoa de prostituição."
Trata-se, portanto, da exploração de pessoas para Trabalho Sexual como uma atividade económica.
Mas não é a prostituição em si que é criminalizada, o que é crime é o aproveitamento económico que terceiros fazem da atividade sexual de outra pessoa.
Crime de lenocínio
O lenocínio está previsto no artigo 169.º, número 1, do Código Penal português.
É considerado um crime público, o que significa que o processo judicial pode ser iniciado pelo Ministério Público, mesmo sem que haja queixa ou denúncia da vítima.
O Código Penal prevê as seguintes penalizações para o crime de lenocínio:
- Pena de prisão de 6 meses a 5 anos para casos simples — o chamado lenocínio simples;
- Pena de 1 a 8 anos se houver violência, ameaça grave ou abuso de autoridade;
- Agravação da pena em 1/3 se a vítima for vulnerável ou familiar da pessoa condenada.
Trabalho Sexual vs. Lenocínio
É importante distinguir os conceitos de Trabalho Sexual e de lenocínio, até porque o Código Penal português aborda-os de forma bem distinta.
O Trabalho Sexual não é crime em Portugal. A pessoa que faz Trabalho Sexual age dentro da sua liberdade sexual. Contudo, é punido o aproveitamento económico dos serviços sexuais de outra pessoa, ou seja, o lenocínio.
Este enquadramento legal procura proteger a dignidade e autonomia da pessoa que se dedica ao Trabalho Sexual, evitando que terceiros lucrem com a sua vulnerabilidade.
Um debate em evolução
O Tribunal Constitucional tem vindo a rever o entendimento sobre o crime de lenocínio.
Em 2023, considerou que a norma que criminaliza o lenocínio pode ser inconstitucional, por não proteger adequadamente a liberdade sexual da pessoa que se dedica ao Trabalho Sexual de forma livre e consciente.
Esta decisão reacendeu o debate sobre se o Trabalho Sexual deve ser regulamentado como profissão, ou combatido como forma de exploração.
O debate também se relaciona com divergências ideológicas, envolvendo uma divergência clara entre a liberdade sexual e a moral sexual.
Alguns juristas argumentam que o artigo do Código Penal que se refere ao crime de lenocínio não protege verdadeiramente a liberdade sexual, mas é, sim, uma visão moralista da sexualidade.
Neste contexto, há quem defenda a descriminalização do lenocínio simples, especialmente quando não há coação, violência ou abuso.
A ideia é permitir que pessoas que exercem Trabalho Sexual de livre vontade possam organizar-se, trabalhar com segurança e apoio, sem que terceiros (como colegas, motoristas, gestorxs de espaços) sejam criminalizados por colaborarem com elas.
Como o crime de lenocínio simples afeta quem exerce Trabalho Sexual
A criminalização do lenocínio simples, ou seja, punir quem facilita ou colabora com exerce Trabalho Sexual por livre escolha, tem efeitos profundos e prejudiciais para estas pessoas que se dedicam à atividade de forma voluntária.
Alguns dos efeitos mais marcantes são os seguintes:
Obstáculos à segurança e organização
Como é crime facilitar ou lucrar com o Trabalho Sexual de outrx, as pessoas trabalhadoras do sexo são forçadas a trabalhar sozinhas, sem poderem partilhar espaços, contratar segurança ou colaborar com colegas.
Isso aumenta o risco de violência e também a exposição à exploração, bem como de vulnerabilidade perante clientes abusivxs.
Impossibilidade de espaços seguros
A criação de ambientes controlados e protegidos para exercer a atividade sexual fica mais complicada, pois xs profissionais do sexo não podem alugar apartamentos em conjunto, contratar rececionistas ou motoristas, uma vez que qualquer pessoa que colabore pode ser acusada de lenocínio.
Reforço do estigma social
A criminalização do lenocínio simples também agrava o estigma social que as pessoas que se dedicam ao Trabalho Sexual já enfrentam no dia a dia.
Isso aumenta a discriminação e também aumenta o isolamento social, já que pode levar as pessoas próximas a trabalhadorxs do sexo a serem criminalizadas.
Medo da polícia
Mesmo exercendo a atividade de forma voluntária, muitxs trabalhadorxs do sexo evitam recorrer às autoridades por receio de serem acusadxs, ou de colocarem outras pessoas próximas em perigo.
Isso coloca-as numa situação de maior vulnerabilidade perante agressorxs, uma vez que evitam fazer queixa.
Acesso limitado a serviços e cuidados de saúde
O estigma legal reforça o preconceito social, dificultando o acesso a cuidados de saúde, a apoio psicológico e a proteção jurídica.
Impacto nos direitos laborais
Como o Trabalho Sexual não é reconhecido como profissão, quem o exerce não tem direitos laborais (férias, segurança social, proteção contra o desemprego).
Também não se pode organizar sindicalmente e fica excluídx de políticas públicas de inclusão e proteção.
Lenocínio e a posição das organizações pró-direitos
Este debate em torno do crime de lenocínio e do seu significado é central para quem defende os direitos dxs trabalhadorxs do sexo, como é o caso do Plano AproXima e de outras organizações que atuam nesta área.
O Plano AproXima tem como missão promover a dignidade, segurança e autonomia das pessoas que exercem Trabalho Sexual. Compreender o que é o lenocínio ajuda-nos a distinguir entre práticas abusivas e escolhas individuais, e a lutar por políticas públicas que respeitem os direitos humanos.
Por isso, muitos movimentos sociais e organizações, como o Plano AproXima, defendem uma revisão legislativa em torno do significado de lenocínio, que distinga claramente entre exploração abusiva (que deve ser punida) e colaboração legítima (que deve ser protegida).