
Chemsex: significado, principais substâncias, riscos e danos
O chemsex (uso intencional de drogas em contexto sexual) envolve substâncias muito fortes, geralmente em encontros longos, e, muitas vezes, praticantes de comunidades estigmatizadas, como as pessoas trabalhadoras do sexo e LGBTQIAPN+. Por isso, carece de informação séria, prática e sem julgamentos, como faremos aqui.
Não é de agora que as pessoas usam drogas, quer para amplificar sensações quer para se conectarem umas às outras ou escapar de realidades dolorosas. O uso destas substâncias em contexto sexual também não é recente, mas tem vindo a ganhar destaque na discussão pública.
Sem dúvida, há riscos associados ao chemsex e, nesse sentido, é importante alertar xs praticantes e dar-lhes ferramentas para minimizar os danos.
Aqui, vamos esclarecer-te sobre o que é chemsex, as substâncias mais usadas, os riscos e, acima de tudo, estratégias para reduzir os possíveis danos.
O que é chemsex?
Chemsex, ou sexo químico, caracteriza-se pelo uso de drogas psicoativas antes ou durante o sexo com o objetivo de intensificar o prazer, reduzir inibições e prolongar encontros.
Ao contrário de um episódio pontual de sexo sob efeito de álcool ou cannabis, o chemsex tende a envolver substâncias específicas (chamadas frequentemente de chems), sessões que podem durar horas ou dias e, muitas vezes, múltiplxs parceirxs.
É uma prática planeada, com escolha de substâncias e expectativas sobre a experiência sexual.
Quem pratica e porquê?
O chemsex é mais frequente entre homens gays, bissexuais, pessoas trans e não-binárias, assim como entre pessoas trabalhadoras do sexo, embora não se limite a esses grupos.
Existem várias razões inerentes, e muitas delas interligadas, entre as quais se destacam:
- Maior prazer e exploração de novas práticas — algumas substâncias intensificam sensações físicas e emocionais, permitindo experimentar novas práticas;
- Desinibição — para quem vive sob estigma, o chemsex pode reduzir medos e travões sociais;
- Sentimento de pertença — festas e eventos de chemsex podem criar laços sociais fortes, uma vez que há partilha de um ritual;
- Coping — lidar com traumas, discriminação, isolamento ou stress através do prazer e da sensação momentânea de alívio.
Importante: praticar chemsex, por si só, não é um problema, até porque a maior parte das pessoas faz essa escolha de forma controlada e consciente. O problema surge quando a prática prejudica a saúde, a vida social ou profissional, ou quando a pessoa perde o controlo.
Quais as substâncias mais usadas? Efeitos, perigos e dicas práticas
São várias as drogas usadas no chemsex, mas há algumas substâncias mais comuns entre os participantes. Se estás a usar alguma dessas substâncias ou conheces alguém que usa, dá especial atenção à secção da redução de danos.
Cannabis
Embora a cannabis não seja uma das substâncias “clássicas” do chemsex (como o GHB, a metanfetamina ou a mephedrona), é muito comum neste contexto, quer como droga principal quer como secundária.
- O que faz? Pode tornar o toque e o sexo mais intensos, ajuda no alívio de tensões e inibições sociais, pode aumentar a resistência no sexo e retardar o orgasmo, aumenta a libido (em alguns casos pode dificultar a ereção).
- Riscos: o uso de cannabis de forma regular pode gerar dependência. Pode também dificultar a manutenção da ereção, diminuir a sensibilidade genital, causar crises de ansiedade, pânico e paranoia, desidratação e exaustão física, diminuir os reflexos e a capacidade de tomar decisões seguras. Misturar com GHB/GBL, metanfetamina, cocaína e/ou álcool pode levar a: redução da coordenação e consciência, desmaio, overdose, enjoo, efeitos sedativos. Misturar com estimulantes pode criar efeito de confusão ou “loop mental”.
- Como reduzir os danos? Consumir de forma controlada (esperar o efeito antes de consumir mais cannabis); evitar misturas com depressores, como álcool ou GHB, assim como com estimulantes fortes, como metanfetamina; ter uma boa ventilação do espaço; beber água frequentemente e comer snacks leves.
Metanfetamina (meth, crystal, speed)
- O que faz? Estimula fortemente o sistema nervoso, dando energia intensa, aumentando a libido, e oferecendo uma sensação de omnipotência.
- Riscos: dependência psicológica forte, insónia, perda de apetite, problemas cardíacos, psicose (alucinações, paranoia).
- Como reduzir os danos? Hidratar regularmente; prever pausas para descanso e para comer; evitar misturas com outros estimulantes ou com medicamentos antidepressivos; ter um plano para o comedown (quando o efeito começa a passar): boa alimentação, bom sono e suporte emocional.
GHB / GBL (“G”)
- O que faz? É um depressor do sistema nervoso que, em doses baixas, provoca relaxamento e euforia; em doses mais altas pode causar perda de consciência.
- Riscos: dependência física rápida, overdoses (o perigoso “G-hole” — perda de consciência), risco aumentado de agressão sexual quando alguém fica inconsciente. Vale ressaltar que esta é uma droga considerada de alto risco, uma vez que o limiar entre a dose recreativa segura e a dose tóxica é muito baixo. Por isso, o risco de overdose com o GHB é muito alto. Além disso, se misturado com álcool, o resultado pode ser fatal.
- Como reduzir os danos? Medir com seringa (as doses variam com o peso corporal), nunca beber direto da garrafa, não misturar com álcool ou outros depressores, garantir companhia de confiança.
Mephedrona / 4-MMC (catinonas sintéticas)
- O que faz? Atua no sistema nervoso central, aumentando a libertação de dopamina, noradrenalina e serotonina. Tem efeitos estimulantes (euforia, energia) semelhantes a MDMA (ectasy)/cocaína.
- Riscos: aumento da frequência cardíaca e da pressão arterial, ansiedade, paranoia, irritabilidade, insónia, depressão, desidratação, hipertermina, suor excessivo, náuseas e vómitos, cravings intensos, confusão mental e alucinações, compulsividade sexual, psicose, risco elevado quando injetada.
- Como reduzir os danos? Começar com doses pequenas; respeitar intervalos (evitar repetir de forma rápida); não injetar; hidratar e comer algo leve; evitar misturas com outras drogas, especialmente com metanfetamina, cocaína, GHB, álcool e antidepressivos.
Quetamina
- O que faz? Dissociativa; provoca sensação de desapego corporal — útil para quem procura experiências sensoriais diferentes.
- Riscos: K-hole (estado dissociativo profundo), problemas urinários com uso crónico, risco de queda/ferimentos.
- Como reduzir os danos? Não usar sozinho; garantir ambiente seguro (assento ou espaço acolchoado); evitar misturas com depressores; dose inicial baixa.
Cocaína
- O que faz? Estimulante clássico; aumento de energia, excitabilidade e sensação de confiança.
- Riscos: arritmias, pressão alta, compulsividade, risco aumentado ao misturar com álcool (formação de cocaetileno, tóxico).
- Como reduzir os danos? Testar pureza; limitar quantidade num episódio; não combinar com grandes quantidades de álcool.
Poppers
- O que faz? Relaxamento dos vasos sanguíneos e aumento do fluxo do sangue; sensação de calor, euforia, relaxamento muscular e intensificação do prazer.
- Riscos: queda da pressão arterial súbita, tonturas, desmaio, náuseas, dores de cabeça, palpitações, irritação de nariz, olhos e mucosas, queimaduras químicas (quando derramado sobre a pele/mucosa). Os riscos são acrescidos com a mistura com outros medicamentos, entre os quais se destacam: medicamentos para a disfunção erétil (pode levar a ataque cardíaco e morte súbita), GBL, álcool e cocaína.
- Como reduzir os danos? Usar apenas produtos com marcas de confiança; abrir a embalagem longe do rosto; evitar contacto direto com o líquido; ter o espaço bem ventilado; inalar levemente; fazer pausas entre inalações; manter o frasco longe de calor; não misturar com outras drogas ou medicamentos.
Como reduzir o risco na prática de chemsex?
O chemsex está associado a maior exposição a IST, pois a tomada de decisão pode estar comprometida com o uso das substâncias, além de haver um risco acrescido de feridas por sexo prolongado, e práticas de injeção. Assim, aconselha-se:
- PrEP — profilaxia pré-exposição ao HIV;
- PEP — profilaxia pós-exposição (deve-se tomar o mais rápido possível se houver exposição de risco);
- Testagem regular — idealmente a cada 3 meses para quem participa regularmente;
- Vacinação — HAV, HBV, HPV e, se possível (e quando se justifique), vacinas contra meningite ou MPOX;
- Equipamento limpo — uso de seringas novas, utensílios de sexo limpos, lubrificante e preservativos;
- Comunicação entre parceirxs — é essencial conversar com x(s) parceirx(s) sobre limites, uso de drogas e preferências.
Sinais de alerta
Saber identificar sinais de alerta permite intervir mais cedo, evitando-se danos sérios à saúde. Assim, tem atenção a:
- Dependência psicológica — pensar constantemente em consumir;
- Perda de controlo — sessões que se prolongam muito para lá do planeado, consumo de substâncias exagerado;
- Prejuízo funcional — faltar ao trabalho, ignorar responsabilidades;
- Isolamento social — cortar relações com familiares/amigxs não envolvidos no chemsex e/ou demonstram repúdio pela prática;
- Problemas de saúde mental persistentes — depressão, ansiedade, sintomas psicóticos;
- Overdoses ou convulsões — situações de risco imediato que exigem assistência médica.
Se reconheceres estes sinais em ti, ou em alguém próximo, procura apoio profissional.
Como reduzir os danos no chemsex?
A redução de danos não exige que se deixe de usar drogas, mas diminuir e controlar as consequências negativas. Recomendamos, portanto:
Antes do encontro:
- Decide que substâncias vais usar, quantidades e limites;
- Combina ir com pessoas de confiança; define umx parceirx que esteja atento;
- Leva e usa preservativos, lubrificante, seringas limpas (se necessário), água, snacks, medidores (seringas para GHB);
- Tem um número de emergência à mão;
- Conhecer as interações entre medicamentos e drogas (ex.: alguns antirretrovirais interagem com as substâncias usadas no chemsex);
- Conversa sobre consentimento e limites antes de começar.
Durante o encontro:
- Usa o telemóvel para apontar doses e horários — isto evita quantidades perigosas e ajuda a controlar o tempo;
- Bebe água e bebidas isotónicas (sem álcool) frequentemente e come snacks salgados e proteína leve;
- Faz pausas para avaliar o estado físico e emocional;
- Vigia sinais de overdose (respiração fraca, inconsciência, vómitos incoerentes) e, caso se verifiquem, coloca-te em posição lateral de segurança e chama a emergência;
- Confirma sempre que o consentimento permanece válido; se alguém estiver muito alterado, adia as práticas sexuais.
Depois do encontro:
- Come comida nutritiva, hidrata-te e dorme (em segurança);
- Faz testes para IST e, se necessário, pede uma consulta médica;
- Avalia como correu, se houve limites ultrapassados e que mudanças precisas fazer;
- Fala com amigos de confiança ou grupos de pares.
Interações medicamentosas e cuidados especiais
Se estás a tomar medicação prescrita (antidepressivos, antirretrovirais, ansiolíticos), informa o teu médico de família que pretendes usar determinadas substâncias. Como já vimos, algumas combinações podem ser perigosas.
Falar de chemsex é falar de sexualidade, prazer e vulnerabilidade — e também de políticas públicas, estigma e direitos. Proibir ou moralizar não protege ninguém! Antes, é importante fornecer informação prática, serviços acessíveis e apoio sem julgamento.
Se praticas chemsex: informa-te, prepara-te, cuida de ti e dos teus parceiros.
Se conheces alguém que pratica: não julgues — pergunta, oferece companhia e informação.
Se és um prestador de cuidados: forma-te para dar respostas que combinem segurança clínica com respeito pela identidade e escolhas das pessoas.