Skip to main content
mulher segura em bandeira transexual e atrás surge bandeira LGBTQIAPN+

O que é transexual e quais os desafios enfrentados?

Uma pessoa transexual (trans) é alguém que não se identifica com o sexo biológico com que nasceu. Pessoas transexuais sentem-se desconfortáveis e incomodadas com o género que lhes foi atribuído no nascimento, como se tivessem nascido no corpo errado.

A identidade de género não é algo que seja linear nem transversal a todos nós. Enquanto há pessoas que nascem com o sexo feminino/masculino e se alinham com o género feminino/masculino (pessoas cisgénero), outras não. Quando isso acontece, falamos de transexualidade ou, em alguns casos, de não-binariedade.

A sociedade, tal como a conhecemos, ainda tem vários preconceitos quando se foge do padrão cisheteronormativo (pessoas cisgénero e heterossexuais). Assim, é importante conhecer e saber mais sobre pessoas trans, por forma a desconstruir estigmas sociais e a conseguir uma sociedade mais justa e igualitária.

Entendendo melhor a identidade de género e a transexualidade

A identidade de género diz respeito à forma como alguém se sente em relação a si própria, mas também à forma como se apresenta às outras pessoas e à sociedade.

A maior parte das pessoas tem uma identidade de género correspondente ao sexo biológico (feminino ou masculino). Contudo, há pessoas que não se identificam com o seu sexo biológico e, por isso, podemos estar perante casos de transexualidade, mas não obrigatoriamente.

Vejamos as três principais identidades de género para entendermos as diferenças:

  • Cisgénero — alguém que se identifica com o género atribuído à nascença;
  • Transgénero — alguém que se identifica com um género diferente daquele atribuído ao nascer;
  • Não-binárix — alguém que não se identifica com nenhum dos géneros (feminino ou masculino).

O que é uma pessoa transexual?

Uma pessoa transexual é aquela que não se identifica com o seu sexo biológico, ou seja, com o género que lhe foi atribuído à nascença. O desconforto com o seu corpo é muito grande e, por isso, muitas vezes procura mudá-lo para se ajustar melhor ao que sente.

Pessoas transexuais podem realizar alguns procedimentos para melhorar o seu bem-estar e autoestima, como tratamentos hormonais e intervenções cirúrgicas para alterar as características sexuais secundárias e primárias. Contudo, o processo de transição de género não se resume a procedimentos médicos — inclui também aspetos comportamentais, de vestuário, entre outros.

Nota: Falamos de mulher trans quando a pessoa nasceu com o sexo biológico masculino, mas identifica-se como mulher, e falamos de homem trans quando a pessoa nasceu com o sexo biológico feminino, mas identifica-se como homem.

Algumas pessoas trans podem passar por disforia de género, isto é, além de aversão às características sexuais primárias e secundárias, desenvolvem ansiedade, apatia, depressão e outros transtornos causados pela sua não-identificação com o sexo biológico.

Transexualidade segundo a Organização Mundial da Saúde

A transexualidade era tida como um transtorno mental (transtorno de identidade de género, segundo a Classificação Internacional de Doenças — CID) até 2018, ano em que a Organização Mundial da Saúde (OMS) a eliminou da lista de transtornos.

Atualmente, a transexualidade é, ainda, segundo a CID, uma incongruência de género — uma incongruência acentuada e persistente entre o género pelo qual a pessoa se identifica e o sexo biológico.

Vale ressaltar que a cirurgia de redesignação sexual e os tratamentos hormonais usados para adequação de género não são fator obrigatório para caracterizarmos a transexualidade.

Transexuais e comunidade LGBTQIAPN+

pequenos cubos formando a palavra transgender

Regra geral, pessoas transexuais são definidas e identificam-se como pertencentes à comunidade LGBTQIAPN+. No entanto, há algumas que não se identificam com a comunidade e/ou preferem não usar o termo.

É importante deixar claro que a transexualidade é uma identidade de género e não uma orientação sexual, portanto, mulheres e homens trans podem ser hetero, homo ou bissexuais.

Nota importante: A transexualidade não é crossdressing ou um comportamento drag queen (podem designar-se de transgéneros, mas não transexuais).

As associações e os coletivos LGBTQIAPN+ têm sido a força motriz por trás de muitas das conquistas legislativas e sociais em Portugal. A sua voz é indispensável para denunciar a discriminação, reivindicar direitos e promover a mudança. O envolvimento ativista é um motor de transformação social.

Lê tambémTransfobia: o que é, exemplos e implicações legais

Linguagem inclusiva

Uma das lutas da comunidade LGBTQIAPN+ é para o uso de uma linguagem inclusiva, com sensibilidade para entender como cada pessoa se sente.

Assim, evita caracterizar alguém como transexual masculino/feminino (termo que está em desuso e pode ser ofensivo) ou atribuir pronomes relativos ao sexo biológico. Se a pessoa se identifica como mulher, não trates por “ele” — o mesmo vale para alguém que se identifica como homem, não o trates por “ela”.

Existe também um grupo que defende o uso do termo transexuado ou transgénero em vez de transexual.

A discriminação de transexuais em Portugal e no mundo

Transexuais estão sujeitos à discriminação, preconceito e humilhação, muito pela ignorância da população relativamente ao tema, não deixando de importar referir que ainda existe muito trabalho a fazer no que toca à legalização, reconhecimento, legitimação e respeito perante estas pessoas.

O direito à autodeterminação da identidade de género é um pilar essencial para a dignidade e bem-estar de todxs, mas a realidade mostra que ainda há um longo caminho a percorrer para que este direito seja plenamente reconhecido e respeitado.

Pessoas trans não são doentes, não estão a passar por uma fase má nem escolheram ser assim. É importante romper com estes mitos e com a desinformação em torno da identidade transexual que só alimentam o preconceito e a discriminação, criando barreiras para a aceitação e inclusão.

Ressaltamos aqui que a discriminação vivida pelas pessoas trans as impede de exercer plenamente a sua cidadania, além de prejudicar o seu bem-estar.

  • Escola — o ambiente escolar é, para muitas crianças e jovens trans, um espaço para bullying, exclusão e a falta de reconhecimento do seu nome social (nome escolhido pela pessoa e não aquele que foi atribuído à nascença). Isto pode levar ao abandono escolar precoce e a um impacto negativo no seu desenvolvimento. A escola deveria ser um espaço seguro e inclusivo, não um local de sofrimento;
  • Serviços de saúde — embora o acesso a cuidados de saúde adequados seja um direito fundamental, para as pessoas trans pode ser um desafio. Não é fácil ter acesso a tratamentos especializados, como terapias hormonais e cirurgias, além de ainda persistir (em muitos contextos) a patologização da identidade trans. A falta de informação clara sobre os serviços disponíveis no Serviço Nacional de Saúde (SNS) agrava esta situação, levando muitas pessoas a procurar alternativas privadas;
  • Trabalho — entrar no mercado de trabalho é outra das grandes dificuldades vivida pelas pessoas transexuais. Muitas vezes, a discriminação leva à desistência de candidaturas a empregos e à marginalização, resultando em baixos níveis de escolaridade e empregos precários. Mais de 90% da população trans já sofreu discriminação, sendo que 29,8% desistiu de se candidatar a uma vaga de emprego;
  • Família e vida social — 33% das pessoas trans admitem o afastamento de familiares e amigos, as quais se veem isoladas e sem o apoio essencial para o seu bem-estar. O estigma social e o preconceito são constantes, dificultando, em larga escala, a vida em comunidade;
  • Justiça — infelizmente, a transfobia vive-se, também, na justiça portuguesa. Prova disso são os casos como o de Gisberta Salce Júnior, em 2006, que demonstram a negligência do Estado em reconhecer crimes de ódio baseados na identidade de género;

Quadro legal em Portugal

Portugal tem feito progressos significativos na proteção dos direitos das pessoas trans, mas este caminho tem sido complexo e ainda com muitas lacunas. Vejamos:

  • Lei n.º 7/2011, de 15 de março: reconhecimento legal da identidade de género e a alteração de sexo e nome próprio no registo civil. Embora tenha sido considerada uma das leis mais avançadas a nível mundial na época, a sua aplicação prática revelou fragilidades, como a exigência de um diagnóstico de "Perturbação de Identidade de Género", que gerava burocracia excessiva e estigmatização;
  • Lei n.º 38/2018, de 7 de agosto: reforça o direito à autodeterminação da identidade de género e expressão de género, eliminando a exigência de um diagnóstico médico para maiores de idade e simplificando o processo de alteração de registo. Embora esta lei tenha simplificado o processo, ainda é necessário garantir que o acesso efetivo ao reconhecimento legal da identidade seja universal e respeite plenamente a autonomia e autodeterminação de todxs.
  • Lei n.º 15/2024, de 29 de janeiro: proíbe as denominadas práticas de "conversão sexual" contra pessoas LGBTQIAPN+, criminalizando atos que visam alterar, limitar ou reprimir a orientação sexual, a identidade ou expressão de género;
  • Outras: a identidade de género foi incluída como categoria protegida no Estatuto do Aluno (Lei n.º 51/2012, de 5 de setembro) e no Código Penal (Lei n.º 19/2013, de 21 de fevereiro), onde motivações transfóbicas são consideradas agravantes para crimes de ódio. A Lei n.º 28/2015, de 14 de abril, também garantiu a identidade de género no direito à igualdade no emprego e trabalho.

Apesar destes avanços, ainda existem áreas que necessitam de atenção e melhoria:

  • Menores: a questão da autodeterminação de menores tem sido um ponto de debate. Após o veto presidencial de 2018, que recomendava um relatório médico para menores de 18 anos, e o Acórdão n.º 474/2021 do Tribunal Constitucional (TC), que declarou inconstitucionais normas relativas à promoção do direito à autodeterminação de género em contexto escolar por violação da reserva de lei parlamentar, a Assembleia da República tem a responsabilidade de legislar de forma clara e abrangente para garantir os direitos das crianças e jovens trans.
  • Saúde: persistem discrepâncias entre as práticas clínicas em Portugal e as recomendações internacionais. A falta de clareza sobre os tratamentos disponíveis no SNS, especialmente cirurgias de afirmação de género, e a imposição de requisitos adicionais dificultam o acesso a cuidados de saúde adequados e competentes.
  • Contexto escolar: é urgente a criação de legislação clara e a implementação de Códigos de Conduta nas escolas para combater a discriminação, promover a inclusão e garantir um ambiente seguro para todxs xs estudantes, independentemente da sua identidade de género.

O papel da sociedade e o caminho para a inclusão

A luta pela igualdade e dignidade das pessoas transexuais não é apenas uma questão legal, mas uma responsabilidade coletiva que envolve toda a sociedade. A educação e a sensibilização desempenham um papel crucial na construção de um futuro mais inclusivo.

As escolas são espaços privilegiados para promover o respeito pela diversidade e combater o preconceito. Através de programas de educação para a cidadania e da formação de docentes e profissionais, é possível criar ambientes escolares onde todxs xs estudantes se sintam segurxs e valorizadxs. A informação é o segredo para desconstruir estereótipos e promover a aceitação.

O apoio da família é um fator protetor fundamental para o bem-estar das pessoas trans. Associações oferecem apoio especializado e recursos valiosos para as pessoas trans e as suas famílias, criando redes de suporte essenciais.

A discriminação contra pessoas trans é uma realidade complexa em Portugal, com impactos profundos na vida de quem a experiencia. No entanto, os avanços legislativos e o crescente ativismo social demonstram que a luta pela igualdade e dignidade é contínua e tem gerado frutos.

É uma responsabilidade coletiva desconstruir preconceitos, informarmo-nos e apoiarmos ativamente as pessoas trans. Só assim poderemos construir uma sociedade verdadeiramente inclusiva, onde todxs possam viver com respeito, segurança e autodeterminação.