
Transfobia: o que é, exemplos e implicações legais
A transfobia é uma forma de discriminação que afeta profundamente a vida de pessoas trans e não binárias. Não se limita apenas ao ódio e a piadas, e pode afetar seriamente o acesso a direitos fundamentais.
Saber o que é transfobia e como se manifesta, entendendo o conceito nas suas diversas dimensões, é essencial para combater o preconceito e promover uma sociedade mais justa e empática.
Neste artigo, pretendemos ajudar a clarificar o tema com exemplos reais e considerações sobre o que diz a lei em Portugal, quanto à transfobia.
Mas o que é transfobia?
Transfobia é o preconceito, rejeição ou hostilidade dirigida a pessoas transgénero ou não binárias, com base na sua identidade de género.
Pode manifestar-se de forma explícita, através de insultos, agressões ou de exclusão, ou de forma subtil, através de atitudes, estereótipos ou políticas que invisibilizam ou desrespeitam estas identidades de género.
A transfobia não se limita ao ódio declarado. Está presente em piadas, olhares, omissões, na falta de representação, na negação de direitos básicos como o acesso à saúde, à educação ou ao trabalho digno.
Transfobia: significado e origem
A palavra transfobia é formada por dois elementos:
- “Trans”, que vem de transgénero, referindo-se a pessoas cuja identidade de género difere do sexo atribuído à nascença.
- “Fobia”, do grego phóbos, que significa medo, aversão ou rejeição intensa.
Assim, transfobia designa uma atitude de medo irracional, repulsa ou hostilidade face a pessoas trans ou não binárias.
Embora o termo “fobia” tenha origem clínica, neste contexto não se refere a uma condição psicológica, mas sim a um comportamento social discriminatório.
A palavra começou a ser usada com mais frequência a partir dos anos 1990, acompanhando o crescimento dos movimentos LGBTQIAPN+ e a necessidade de nomear formas específicas de opressão.
Tal como “homofobia” ou “lesbofobia”, “transfobia” tornou-se uma ferramenta linguística para visibilizar uma violência que antes era silenciada ou normalizada.
Apesar da origem da palavra sugerir “medo”, a transfobia manifesta-se sobretudo como preconceito, marginalização e negação de direitos. É alimentada por normas rígidas sobre género e por uma cultura que ainda resiste à diversidade.
Combater a transfobia é, por isso, desconstruir ideias limitadoras e abrir espaço para a empatia, a escuta e o reconhecimento.
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Exemplos de transfobia
- Recusar-se a usar o nome ou os pronomes corretos de uma pessoa trans;
- Impedir o acesso a casas de banho de acordo com a identidade de género;
- Fazer comentários depreciativos sobre a aparência ou expressão de género;
- Negar oportunidades de emprego ou despedir alguém por ser trans;
- Excluir pessoas trans de espaços sociais, educativos ou familiares.
Estes comportamentos não são apenas ofensivos — têm impacto direto na saúde mental, segurança e dignidade das pessoas trans.
Dados sobre a transfobia em Portugal
Nos últimos anos, Portugal registou avanços significativos em termos legais nesta área, com leis que protegem a identidade de género e criminalizam a discriminação de género.
Contudo, a realidade diária das pessoas trans ainda é marcada por violência, exclusão e invisibilidade.
Dados oficiais continuam a registar, anualmente, casos de agressões físicas e verbais em espaços públicos, negação de acesso a serviços de saúde ou de apoio psicológico, e discriminação em contexto laboral e educacional.
Mas só apenas alguns destes casos acabam por chegar aos tribunais, com inquéritos criminais abertos devido a crimes com motivações homofóbicas e transfóbicas.
As autoridades continuam a ter algumas dificuldades em reconhecer a motivação transfóbica em certos crimes. Além disso, há vítimas que não denunciam este tipo de casos por medo, falta de apoio ou revitimização.
Violência na intimidade contra mulheres trans
As mulheres trans podem ser especialmente vulneráveis à violência em contextos de intimidade, sofrendo abusos psicológicos e físicos por parte de parceirxs.
Muitas vezes, sentem falta de apoio formal e institucional, bem como uma invalidação da sua identidade de género por familiares e profissionais.
Estas vivências assinalam que a transfobia não é apenas pública — ela também invade o espaço privado, afetando profundamente a saúde mental e emocional das vítimas.
A transfobia é crime?
Em Portugal, a transfobia pode ser enquadrada como crime. Apesar de o termo não aparecer isoladamente no Código Penal, os atos motivados por discriminação com base na identidade ou expressão de género podem ser punidos através de vários enquadramentos legais.
A legislação portuguesa protege contra a discriminação com base na identidade de género, especialmente através da Lei n.º 38/2018, que garante o direito à autodeterminação da identidade de género e à proteção contra práticas discriminatórias.
Além disso, o Código Penal prevê agravantes para crimes motivados por ódio ou discriminação. A violência física, verbal ou institucional contra pessoas trans pode, assim, ser denunciada e punida judicialmente.
Penas previstas para crimes com motivação transfóbica
Os crimes com motivação transfóbica podem ser enquadrados da seguinte forma legal, ao abrigo do Código Penal português:
1. Crimes de ódio com agravante
O juiz pode aplicar penas mais severas quando o crime é motivado por preconceito contra a identidade de género da vítima.
A motivação transfóbica pode ser considerada uma agravante genérica, aumentando a pena aplicável a crimes cometidos, tais como agressão, injúria, ameaça ou homicídio.
2. Proibição de práticas de conversão sexual
A Lei n.º 15/2024 criminaliza qualquer prática que vise alterar, limitar ou reprimir a identidade ou expressão de género.
Estas práticas podem ser punidas com penas de prisão e proibição do exercício de funções que envolvam contacto com menores, por períodos entre 2 e 20 anos, dependendo da gravidade e da idade da vítima.
3. Proibição do exercício de funções
Quem for condenado por crimes contra a autodeterminação sexual ou a liberdade sexual pode ser impedido de exercer funções públicas ou privadas que envolvam contacto com menores, por 2 a 20 anos (ou 5 a 20 anos, se a vítima for menor).
4. Responsabilidade civil e administrativa
Além das penas criminais, pode haver sanções administrativas, como multas, e responsabilidade civil por danos causados às vítimas.
Como denunciar a transfobia
Há vítimas que não denunciam casos em que são alvo de transfobia nas suas mais diversas formas, por medo, falta de apoio ou revitimização. Denunciar é um ato de coragem e cidadania, fundamental para acabar com este tipo de discriminação.
Se foste vítima ou testemunha de transfobia, seja em forma de insultos, exclusão, agressão ou negação de direitos, existem canais formais e informais que podem ajudar. Vê o que podes fazer...
1. Denúncia às autoridades policiais
Se estiveres perante uma situação de violência física, ameaça ou crime:
- Dirige-te à esquadra da PSP ou posto da GNR mais próximo;
- Podes também apresentar queixa diretamente no Ministério Público através deste site;
- E há sempre a possibilidade de telefonar para o 112, a linha de emergência.
2. Denúncia por crimes de ódio
Se a transfobia tiver sido motivada por preconceito contra identidade de género, pode ser enquadrada como crime de ódio.
Para facilitar o registo e encaminhamento, é possível fazer uma denúncia de forma anónima ou identificada através da plataforma europeia UNI-FORM.
A UNI-FORM coloca diretamente em contacto associações LGBTQIAPN+ e as forças de segurança nacionais de cada país, no sentido de colaborarem contra os crimes e os discursos de ódio transfóbicos online.
Mas também podes contactar a APAV (Associação Portuguesa de Apoio à Vítima) para obter ajuda e denunciar discriminação, usando a Linha de Apoio à Vítima 116 006 (chamada gratuita que funciona em dias úteis das 08 horas às 23 horas).
Consulta ainda o site Safe To Be para obter conselhos sobre como e onde denunciar, e para encontrar mais recursos sobre crimes de ódio.
3. Apoio especializado e denúncia informal
Existem vários parceiros do Plano AproXima que disponibilizam apoio jurídico, psicológico e social a pessoas LGBTQIAPN+, que podem dar algum suporte a vítimas de discriminação, nomeadamente o Projeto Bússola, o Centro Gis – Centro de Repostas às Populações LGBTI e o Espaço Liv(r)e – Associação Plano i.
Mas também podes contactar a ILGA Portugal através da linha LGBT: +351 218 873 918 ou do email
Podes igualmente recorrer à Rede Ex Aequo (associação de jovens LGBTQIAPN+) e à Casa Qui (associação de solidariedade social).
Dicas para uma denúncia eficaz:
- Regista tudo: datas, locais, nomes, testemunhas, mensagens ou imagens.
- Guarda provas: prints, vídeos, emails ou qualquer outra evidência.
- Sê clarx na descrição: explica que se trata de transfobia e como se manifestou.
- Pede apoio: não estás sozinhx. Há redes que te podem acompanhar no processo.
Porque é urgente combater a transfobia?
A transfobia não é apenas um problema individual — é estrutural. Está enraizada em normas sociais que excluem e marginalizam quem não se encaixa em padrões binários.
Combater a transfobia é promover direitos fundamentais, saúde mental, segurança e inclusão - e falar do assunto é dar voz a quem foi silenciadx, é criar pontes, é aproximar.
Falar sobre transfobia com dados e exemplos concretos é também essencial para desconstruir mitos sobre a realidade das pessoas trans, pressionar por políticas públicas eficazes e promover empatia e educação em todos os contextos — escolas, empresas, famílias.
Dar nome à violência motivada por transfobia é o primeiro passo para a combater — e que cada história contada é uma ponte para a transformação.